Diante das determinações de isolamento e fechamento de estabelecimentos no intuito de controlar a disseminação do novo coronavírus entre a população brasileira, o Senado aprovou, na última sexta-feira, dia 03 de abril, medidas transitórias que suspendem temporariamente a aplicação de algumas normas reguladoras das relações privadas.
O Projeto de Lei no 1.179, de 2020, de autoria do Senador Antonio Anastasia, e que agora será enviado para aprovação da Câmara dos Deputados, pretende adequar temporariamente alguns dispositivos da legislação brasileira, sem alterá-los ou revogá-los, de forma a manter as relações, os contratos e garantir o abastecimento.
Todas as medidas previstas seriam válidas desde o dia 20 de março, data de reconhecimento do estado de calamidade pública no país (Decreto Legislativo no 6/2020.) , até o dia 30 de outubro de 2020.
PRAZOS PRESCRICIONAIS E SUSPENSÃO DE PROCESSOS
O projeto de lei prevê a suspensão dos prazos prescricionais e decadenciais no período estabelecido, salvo se hipóteses específicas de impedimento, suspensão e interrupção já estiverem em curso.
Não poderá haver concessão de liminares de desocupação em ações de despejo nas ações ajuizadas a partir de 20 de março, até 30 de outubro.
Fica suspenso até 30 de outubro o prazo para abertura dos processos de inventário. A disposição suspende o art. 611 do Código de Processo Civil, que determina que o inventário deve ser aberto no prazo de até 2 (dois) meses do falecimento.
O projeto também suspende todos os prazos para a aquisição de bens móveis ou imóveis mediante quaisquer hipóteses de usucapião. Sobre o tema, o projeto de lei tenta garantir o direito ao usucapião, que poderia sofrer interferência no exercício da posse ao longo do tempo, no período da pandemia, haja vista a necessidade de isolamento social. Apesar de entendermos inadequada a medida, tal como lançada, a regra segue a esteira dos demais temas, em relação às prescrições.
A despeito das suspensões de prazos previstas no projeto de lei, é importante frisar que o Judiciário permanece em atividade, sendo possível, a qualquer momento, a propositura de novas ações
DIREITO DO CONSUMIDOR
O projeto de lei também suspende, até 30 de outubro, o direito do consumidor de desistir da compra em até 7 (sete) dias do recebimento, mas somente para compras delivery de produtos perecíveis ou medicamentos.
Neste sentido, o consumidor deverá verificar a conformidade dos medicamentos ou produtos perecíveis imediatamente durante a entrega.
REVISÃO DOS CONTRATOS
Também se verificam medidas que visam conferir estabilidade às relações entre empresas e entre empresários, com a delimitação sobre a incidência de dispositivos do Código Civil nas relações contratuais, especialmente quanto a natureza da pandemia frente a imprevisibilidade de seus efeitos na economia e no mercado.
Afastou-se a aplicação das regras do Código de Defesa do Consumidor, nestes casos, ao definir que a possibilidade de resilição, resolução ou revisão dos contratos se aplicam apenas aqueles subordinados ao Código Civil ou firmados exclusivamente entre empresas ou empresários.
DIREITO DE FAMÍLIA
A prisão de devedor de pensão alimentícia deverá ser domiciliar.
LOCAÇÕES DE IMÓVEIS URBANOS
Quanto às locações, o projeto previa originalmente o direito do inquilino de suspender o pagamento dos alugueis, no caso de sofrer alteração em sua situação econômico-financeira. O pagamento dos valores devidos seria realizado posteriormente, a partir de 20 de outubro, na proporção mensal de 20% (vinte por cento).
A disposição, porém, foi rejeitada, tendo havido, sobre o tema apenas a provação da suspensão da concessão de liminares nas ações de despejo.
TRANSPORTES
A fim de promover a máxima eficiência da logística de transportes, o projeto determina que o Conselho Nacional de Trânsito – Contran estabeleça normas de flexibilização no que tange ao peso e dimensões máximas dos veículos.
OS CONDOMÍNIOS
Em relação à matéria, entendemos que o legislador apresenta significativa contribuição e se mostra coerente com a realidade vivenciada, ao conferir poderes provisórios e emergenciais ao síndico, para: a) respeitado o acesso às unidades autônomas, “restringir a utilização das áreas comuns” (inciso I) e, b) vedada qualquer limitação ao uso exclusivo pelos condôminos e pelos possuidores direto de cada unidade, “restringir ou proibir a realização de reuniões, festividades, uso dos abrigos de veículos por terceiros, inclusive nas áreas de propriedade exclusiva dos condôminos” (inciso II).
Em sendo assim, o sindico passa a ter poderes, em prol do bem comum, de determinar a suspensão do uso de salões de festas, salão de jogos, academias destinadas a atividades físicas, piscinas, quadras desportivas, ou, ainda, a limitação do número de pessoas que podem utilizar essas áreas comuns do condomínio, num determinado intervalo de tempo, ressalvados os casos de atendimento médico, obras estruturais e benfeitorias necessárias.
Ressalta-se que o objetivo do legislador é evitar a propagação da pandemia do Coronavírus e, para tanto, as restrições ou proibições previstas devem sempre se pautar em critérios sanitários, em detrimento de possível perda de receita advinda do uso dos espaços comuns do condomínio (art. 13 do Projeto de Lei).
O parágrafo único do artigo 12 do projeto possibilita a prorrogação automática dos mandatos dos síndicos que venceram a partir do dia 20 de março de 2020, até o dia 30 de outubro do corrente ano, seguindo a mesma ideia do projeto de se evitar sempre a reunião e aglomeração de pessoas, como meio para se retardar a propagação da pandemia em curso.
REALIZAÇÃO DE ASSEMBLEIAS
Todos os prazos legais para a realização de assembleias e reuniões, presenciais ou não, e para a divulgação ou arquivamento nos órgãos competentes das demonstrações financeiras pelas pessoas físicas ou jurídicas que exerçam atividade empresarial, ficam prorrogados até 30 de outubro de 2020.
O projeto impõe restrições à realização de reuniões e assembleias presenciais, tanto de associações como de condomínios, sociedades e fundações (incisos I a III do art. 44 da Código Civil), observadas as determinações sanitárias das autoridades locais.
Fica autorizada a realização de quaisquer assembleias por meio eletrônico, ainda que não previsto em atos constitutivos, permitindo que a manifestação e o voto se deem por meio eletrônico, definido por seu administrador, desde que garantidos os meios de identificação e segurança do voto, assegurando o seu valor legal.
Os condomínios também poderão realizar assembleias condominiais virtuais, inclusive para fins de destituição e convocação de novo síndico.
DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS
Poderá haver antecipação de distribuição de lucros nas sociedades, mediante declaração pelo Conselho de Administração ou pela respectiva Diretoria.
A medida é diametralmente oposta à Resolução n° 4.797, de 6 de abril de 2020, editada pelo Banco Central após deliberação do Conselho Monetário Nacional, e que vedou a distribuição de resultados e o aumento da remuneração de administradores das instituições financeiras até o dia 30 de setembro. Também foi vedado que as apurações de resultado ocorridas no período sejam objeto de pagamentos futuros.
Com isso, o Banco Central pretende evitar o consumo de recursos destinados a manutenção do crédito no período de combate à pandemia.
DA LIVRE CONCORRÊNCIA
No período estabelecido pelo projeto de lei, não serão consideradas infrações à ordem econômica a venda de mercadorias com preço abaixo de custo, a retensão de bens de consumo, bem como a cessação das atividades da empresa.
Fica suspensa a proibição de empresas celebrarem contrato associativo ou aliança estratégica que impliquem em eliminação da concorrência, sendo que tais acordos deverão ser imediatamente interrompidos em 30 de outubro de 2020.
LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS
A vigência da Lei nº 13.709/2018, que trata sobre a coleta e proteção de dados pessoais, fica adiada para janeiro de 2021, sendo que as sanções previstas somente poderão ser aplicadas a partir de agosto de 2021.