DA CONSULTA
A Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética – ANADEM pede um parecer acerca da novel Medida Provisória nº 983/2020 de 17 de junho de 2020.
DO PARECER
No dia 17 de junho de 2020 foi publicada e entrou em vigor a Medida Provisória nº 983, a qual estabelece que as receitas médicas em meio eletrônico na área da saúde somente serão válidas se contiverem a assinatura eletrônica do profissional e se atenderem aos requisitos de ato da Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária ou do Ministro de Estado da Saúde, conforme as respectivas competências.
Agora, as assinaturas eletrônicas são simples, avançada ou qualificada.
É a primeira vez que uma norma fala de assinatura eletrônica simples, avançada ou qualificada. Uma das diferenças entre as assinaturas eletrônicas é que a qualificada é a única que possui regramento específico tratado na Medida Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001, que estabelece condições de validade ou de eficácia de um ato ou negócio jurídico, seu não repudio, preservando atributos de integridade, autenticidade e autoria.
O certificado digital é um registro eletrônico assinado, gerado por meio de um procedimento de certificação digital, que se destina a comprovar a relação existente entre um elemento criptográfico e uma pessoa física ou jurídica, que permite a identificação segura e inequívoca do autor de uma mensagem ou transação feita em meios eletrônicos, como a internet.
Os certificados contêm os dados de seu titular, conforme detalhado na Política de Segurança de cada Autoridade Certificadora.
Em se tratando de nível de segurança, a assinatura simples é equiparada a uma assinatura a lápis1. Já a avançada equipara-se a uma assinatura a caneta, porém sem uma terceira parte garantidora, como por exemplo um cartório, que garante a certificação da autoria através do reconhecimento de firma.
A novel Medida Provisória também valida a assinatura de documentos subscritos por profissionais da saúde e relacionados a sua área de atuação através das assinaturas eletrônicas avançada e qualificada. Permitir a assinatura eletrônica avançada em receituário de medicamento é colocar em risco o sigilo profissional das informações pertencentes ao paciente, protegidas no Capítulo IX do Código de Ética Médica, por não utilizar a segurança do certificado digital no tráfego das informações, não preservando a autoria indelével de quem manifesta vontade no meio digital.
Em se tratando de documentos de saúde, cujo impacto pode ser irreversível para a saúde, moral, honra e vida do paciente é de suma importância que os documentos eletrônicos sejam elevados ao nível máximo de segurança técnica e jurídica possível, preservando tanto o paciente quanto o agente de saúde de eventuais fraudes ou adulterações.
Ademais, as receitas em meio eletrônico somente serão válidas se contiverem a assinatura eletrônica do profissional e se atenderem aos requisitos de ato da Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária ou do Ministro de Estado da Saúde. Constata-se que 1 VER PARECER nº 00378/2019/PROFE/PFE-ITI/PGF/AGU
houve usurpação da competência normativa e fiscalizatória, conferidas por Lei ao Conselho Federal de Medicina.
A Lei nº 3.268/1957, que dispõe sobre os Conselhos de Medicina e dá outras providências, prevê, em seu artigo 2º, que o Conselho Federal de Medicina é autarquia federal a quem compete disciplinar e fiscalizar a ética médica em todo o território nacional, verbis:
Art. 2º O Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Medicina são os órgãos supervisores da ética profissional em toda a República e ao mesmo tempo, julgadores e disciplinadores da classe médica, cabendo-lhes zelar e trabalhar por todos os meios ao seu alcance, pelo perfeito desempenho ético da medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão e dos que a exerçam legalmente. (negrito e sublinhado nosso)
Ao seu turno, o artigo 7º da Lei nº 12.842/2013, que dispõe sobre o exercício da Medicina, assim consigna: Art. 7º Compreende-se entre as competências do Conselho Federal de Medicina editar normas para definir o caráter experimental de procedimentos em Medicina, autorizando ou vedando a sua prática pelos médicos.
Parágrafo único. A competência fiscalizadora dos Conselhos Regionais de Medicina abrange a fiscalização e o controle dos procedimentos especificados no caput, bem como a aplicação das sanções pertinentes em caso de inobservância das normas determinadas pelo Conselho Federal. (negrito e sublinhado nosso)
Já a prescrição médica é tratada nos artigos 37 e 52 do Código de Ética Médica, verbis: É vedado ao médico:
Art. 37 Prescrever tratamento ou outros procedimentos sem exame direto do paciente, salvo em casos de urgência ou emergência e impossibilidade comprovada de realizá-lo, devendo, nesse caso, fazê-lo imediatamente após cessar o impedimento.
Parágrafo único. O atendimento médico a distância, nos moldes da telemedicina ou de outro método, dar-se-á sob regulamentação do Conselho Federal de Medicina.
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Art. 52 Desrespeitar a prescrição ou o tratamento de paciente, determinados por outro médico, mesmo quando em função de chefia ou de auditoria, salvo em situação de indiscutível benefício para o paciente, devendo comunicar imediatamente o fato ao médico responsável. (negrito e
sublinhado nosso)
Avaliando os mencionados dispositivos supra, verifica-se que, por meio legal, com autorização dada pelo artigo 24, inciso XII, da Constituição Federal, a própria União outorgou ao Conselho Federal de Medicina a competência e o poder regulamentar para tratar temas
concernentes ao exercício da medicina.
Desse modo, nos termos do artigo 7º da Lei nº 12.842/2013, cabe ao Conselho Federal de Medicina fixar os critérios para definição do caráter experimental de certos procedimentos médicos, como é justamente o caso de receitas médicas em meios eletrônicos, tratada pela norma em análise.
A Medida Provisória produz efeito imediato, mas somente será convertida em Lei se for, posteriormente, aprovada na Câmara dos Deputados e Senado.
CONCLUSÃO
Devido a pandemia, a implementação de novos meios de atendimento e procedimento, respectivamente, como a telemedicina e a receita médica eletrônica, tem sido um desafio para os profissionais da saúde.
A implementação da assinatura eletrônica do profissional da saúde é de suma importância, porém somente através da assinatura eletrônica qualificada, é garantida a segurança dos documentos e transações eletrônicas.
Entretanto, mesmo que seja admitida assinaturas avançadas nos documentos de saúde, frisa-se que a competência para regrar as atividades profissionais de saúde cabe aos Conselhos Federais.
Este é o parecer, S.M.J.
Brasília/DF, 18 de junho de 2020.
LUANA VIEIRA DE JESUS LEOCADIO – OAB/DF 61.683
ÉRICA LIRA DAMAZIO – OAB/DF 33.890
YUKARY NAGATANI – OAB/DF 27.613
TAMMY GUIMARÃES RESENDE SANTOS – OAB/DF 49.480
WALDUY FERNANDES DE OLIVEIRA – OAB/DF 21.529
RC ADVOGADOS ASSOCIADOS